As facilidades e agilidades oferecidas por esse meio de pagamento têm atraído tanto usuários legítimos quanto criminosos em busca de oportunidades.
Após constatarem que foram vítimas, algumas pessoas entram em contato imediato com seus respectivos bancos buscando obter auxílio para a solução do problema.
Na maioria das vezes, o retorno é uma resposta genérica de que a instituição bancária não tem responsabilidade por transações que foram feitas de forma voluntária, o que não é verdade.
No presente artigo, analisaremos a possibilidade e os requisitos para a responsabilidade jurídica tanto do banco da vítima quanto do banco do terceiro que aplicou a fraude.
Inicialmente, esclarece-se que a relação entre pessoa física e a instituição bancária na qual a conta é mantida, se configura como uma relação de consumo, ou seja, a pessoa física tem a proteção e as garantias previstas no Código de Defesa do Consumidor – CDC.
Essa proteção estende-se à vítima em relação ao banco do terceiro fraudador, tratando-se de uma relação de consumo por equiparação conforme o art. 29, do CDC.
Sob a luz do CDC, ao discutir a obrigação em reparar os danos materiais e compensar os danos morais vivenciados pelo o consumidor, a responsabilidade do fornecedor de produtos ou prestador de serviços é objetiva, portanto, não é necessário comprovar a culpa.
De acordo o art. 14, do CDC, os requisitos para a responsabilização das instituições bancárias enquanto prestadoras de serviços são: 1) a falha na prestação de serviços; 2) o nexo causal; 3) o dano material/moral.
Em relação à instituição financeira da vítima da fraude, o primeiro requisito manifesta-se em razão da não utilização do Mecanismo Especial de Devolução.
Diante dos inúmeros casos de fraude envolvendo o Pix, o Banco Central do Brasil através da Resolução n. 103/2021, que alterou o regulamento anexo à Resolução BCB n. 1/2020, disciplinou o funcionamento do arranjo de devolução dos pagamentos via Pix.
Conforme a resolução, as buscas devem ser iniciadas em até 90 (noventa) dias após realizada a transação original, viabilizando a devolução do Pix nos casos de fraude ou em que se verifica falha operacional no sistema de tecnologia.
Uma vez iniciado o processo de devolução em casos que exista suspeita de fraude, deverá ser realizado o bloqueio imediato na conta do usuário recebedor dos valores correspondentes à solicitação, sendo possível a ocorrência de múltiplos bloqueios parciais até que se alcance o valor total.
Através da Resolução n. 103/2021, compreende-se que após ser acionado, o banco pode realizar inúmeras buscas e bloqueios na conta recebedora do dinheiro pelo o período de 90 (noventa) dias, até a satisfação do valor total.
Em razão do Mecanismo Especial de Devolução ter sido implementado no sistema bancário recentemente, em novembro de 2021, as decisões dos tribunais envolvendo essas situações ainda são escassas.
Porém, a 38ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, estabeleceu que na ausência de comprovação de que a instituição bancária utilizou de forma regular os procedimentos da resolução do Banco Central do Brasil, caracteriza-se a responsabilidade objetiva pelos danos decorrentes de fraude via Pix.
(...) Autor que realizou transferências de valores a pedido de terceiro, que se passou por sua filha. Relação de consumo. Incidência do CDC. Falha na prestação do serviço decorrente da inércia do Banco réu. Demandante teve a urgência e cautela de comunicar imediatamente o apelante, que não tomou qualquer providência a fim de evitar os prejuízos sofridos. Instituição financeira limitou-se, através de sua gerente, a expor que, diante da inexistência de compensação de valores transferidos via PIX, nada poderia ser feito. Conduta que parece não ter sido a mais adequada, porque os bancos não possuem somente o dever de evitar que fraudadores obtenham êxito em golpes, no momento da transação, mas, também, ao tempo da contestação das operações, fornecendo suporte para o correntista, evitando ou mitigando prejuízos. Procedimentos operacionais que deveriam ter sido adotados, ao menos, na forma do que estabelece a Resolução BCB nº 01/2020. Inexistência de exclusão da responsabilidade. Dicção do art. 14, caput CDC. Precedentes. Sentença mantida. RECURSO DESPROVIDO. (TJSP; Apelação Cível 1007582-35.2022.8.26.0011; Relator (a): Anna Paula Dias da Costa; Órgão Julgador: 38ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional XI - Pinheiros - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 12/06/2023; Data de Registro: 12/06/2023)
Quanto à falha na prestação de serviço do banco do terceiro fraudador, ela manifesta-se pela a falta de observância dos critérios de identificação na abertura de conta, determinados pelo Banco Central do Brasil, na Resolução n. 4.753/2019 e na Resolução n. 2.025/1993.
A Resolução n. 4.753/2019 determina que as instituições bancárias devem adotar procedimentos para verificar a identidade e qualificação dos titulares da conta, assim como a autenticidade das informações fornecidas, incluindo a confrontação dessas informações com bancos de dados públicos ou privados.
Complementando, a Resolução n. 2.025/1993 determina que para a abertura de conta é obrigatório o preenchimento dos dados de qualificação civil do cliente, entre essas informações, o endereço residencial, o endereço comercial, número de telefone, a apresentação dos comprovantes das informações, a assinatura do solicitante, entre outros.
Interpretando as duas resoluções em conjunto, observa-se que é um dever das instituições bancárias solicitar informações da qualificação civil completa e a apresentação dos comprovantes das informações, bem como averiguar a autenticidade das informações declaradas.
Em um litígio acerca da responsabilidade das instituições financeiras nos danos oriundos de fraudes, a 37ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, fundamentou que a abertura de conta sem a cautela estabelecida pelo Banco Central do Brasil, impõe à instituição financeira a responsabilidade em indenizar o dano material e compensar o dano moral.
Deveres de "Compliance" e "Know Your Client" (KYC) não observados pela instituição bancária, que permitiu a abertura de conta pelo fraudador sem qualquer cautela, em desatenção ao disposto na Resolução 4.753/2019 do Banco Central do Brasil (...) Ainda que a transferência bancária em si tenha decorrido da conduta de terceiro fraudador, com a realização da operação pelo próprio consumidor, a situação retratada de fato se insere no risco da atividade (...) (TJSP; Apelação Cível 1005228-79.2022.8.26.0482; Relator (a): Sergio Gomes; Órgão Julgador: 37ª Câmara de Direito Privado; Foro de Presidente Prudente - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 09/01/2023; Data de Registro: 10/01/2023)
Dessa forma, se durante o processo judicial for constatado que o banco da vítima, ao ser informado da fraude, não tomou as medidas apropriadas para acionar o Mecanismo Especial de Devolução, e se o banco do terceiro envolvido na fraude não exerceu a devida cautela ao abrir a conta, pode-se concluir que houve uma falha na prestação de serviços por parte dessas instituições bancárias.
Acerca do segundo requisito, o nexo causal, apesar da situação vivenciada pela vítima ter sido fato de terceiro, pontua-se que o fato de terceiro não configura-se como uma excludente da responsabilidade das instituições bancárias.
Ainda que a transferência bancária em si tenha decorrido da conduta “espontânea” da vítima, as fraudes se inserem no risco da atividade da bancária.
Em outras palavras, embora se discuta um delito praticado por terceiros, é claro que o dano sofrido poderia ter sido evitado, se as instituições bancárias atendem-se os requisitos estabelecidos para abertura da conta e minimizado através da utilização do Mecanismo Especial de Devolução.
Preenchidos os requisitos na falha da prestação de serviços e inexistindo excludente do nexo causal, o dano material manifesta-se no valor da fraude e o dano moral em toda a angústia vivenciada pela a vítima.
Sobre o dano moral, o Professor Flávio Tartuce , nos ensina que: “a indenização por dano moral está revestida de um caráter principal reparatório e de um caráter pedagógico ou disciplinador acessório, visando a coibir novas condutas”.
Enfatiza-se o caráter pedagógico, pois a aplicação de fraudes é rotineira e as instituições financeiras, apesar da possibilidade, nunca se utilizam dos mecanismos disponíveis para auxiliarem seus clientes a minimizarem os danos.
Assim, o dano moral deve ser fixado considerando que a sanção civil, tem como fim, compensar a vítima, punir o infrator e evitar danos futuros, atendendo a tríplice função desse instituto jurídico.
Caso você, ou algum amigo ou familiar, tenha sido vítima de uma fraude envolvendo transações via Pix, na qual a instituição bancária responsável não ofereceu a assistência adequada conforme as diretrizes estabelecidas pelo Banco Central do Brasil, é recomendável buscar o serviço de um escritório de advocacia a fim de tomar as medidas legais cabíveis para reparar o dano material e buscar a devida compensação pelo danos morais sofridos.